2014/10/05

Eleições do outro lado do mundo


O texto a seguir não será bonitinho, fofinho e kawaii como (quase) tudo que posto nesse blog. Não vou falar do Japão, diretamente. Não estranhe, o blog não foi hackeado, basta ler meus últimos textos do Twitter. Se não estiver interessado em ler o artigo de uma brasileira revoltada com o voto obrigatório e que mora no Japão, não leia. Não se preocupe: você não vai deixar de renovar seu passaporte se não ler essa postagem. Tenha um bom dia! ^o^


Como todos sabem, hoje é dia 5 de outubro, dia das eleições presidenciais no Brasil. Por estarmos 12 horas à frente, aqui a manipulação eleição já começou. Muita gente acha que brasileiro que não mora no Brasil é sortudo pois está isento de votar. Doce ilusão! Como meros mortais, somos sim obrigados a votar, mas, por "sorte", só para o cargo de presidente. Mas isso é bom demais para ser verdade, não é? É. Nossa alegria acaba por aí. Não pense que por estarmos no Japão, em um país de primeiro mundo, que a coisa é diferente, pois ainda temos as mesmas obrigações que teríamos se estivéssemos morando aí. O Japão não tem nada a ver com isso, no mundo inteiro é assim.

Você sai do Brasil, mas o Brasil não sai de você. Ele te persegue até do outro lado do mundo, não adianta se esconder nas vilas geladas de Hokkaido, no cume do Monte Fuji ou nas dunas de Tottori. Sempre há um consulado brasileiro para te manter na coleira. A diferença é que, estando a 19.000 km de distância da pátria, a coleira é só um pouquinho mais frouxa, mas isso não significa que você será poupado das chibatadas. 

Se já é sacanagem o voto obrigatório, imagine só o que é obrigar brasileiro no exterior a votar. Uns chamam isso de dever cívico, eu chamo de ditadura. Não vejo diferença entre me obrigar a votar e ter uma arma apontada para a cabeça.

Estou há cinco anos no Japão e não tenho a mínima intenção de voltar a morar no Brasil. Mas nada disso importa para a justiça eleitoral, pois mesmo assim tive que perder DOIS DIAS de serviço para RENOVAR E BUSCAR meu título de eleitor, que, adivinhe só, foi cancelado porque não votei nas últimas eleições. E só o fiz para renovar meu passaporte, cuja data de validade calhava com a da minha viagem ao Brasil (em breve, postagem sobre minha primeira ida ao Brasil após cinco anos de Japão).

Se é para perder tempo no consulado daqui ou no cartório eleitoral no Brasil, então é melhor resolver essa encrenca de uma vez por todas. Afinal, eu só ficaria duas semanas no Brasil, o tempo era curto demais para ser perdido com algo tão fútil. Então, para evitar possíveis dores de cabeça, antes de viajar, resolvi acertar minhas pendências com a justiça eleitoral, afinal, não queria arriscar meu precioso passaporte e ser deportada para o Brasil. Voltar para a terrinha seria o meu maior pesadelo! Portanto, não se iluda, Brasil, só estou fazendo isso pelo meu amor ao Japão e pela minha vontade de continuar bem longe de você.

Mas o que o nosso querido país não entende é: todo mundo vem para o Japão para TRABALHAR. Aqui não tem oba oba, não tem "jeitinho brasileiro", não tem desculpa para faltar no trabalho. Aqui é trabalho em primeiro lugar e todo o resto em segundo.

Como vou explicar para o meu chefe japonês que no Brasil o voto é obrigatório e que se eu não regularizar minha situação eleitoral, fico sem passaporte e, consequentemente, sem visto?

E quem vai convencer o meu chefe japonês a não cortar meu zangyo (hora-extra) porque faltei dois dias no serviço para acertar minhas pendências com a justiça eleitoral no consulado de Tokyo que só abre de segunda à sexta das 9 às 13h (com exceção dos feriados japoneses E feriados brasileiros E os dias que as belezinhas simplesmente resolvem NÃO abrir, como o dia seguinte à eleição)?

Se já é ridículo ter o título cancelado por não ter votado (olha só como o meu voto é importante!) e ter que perder um dia inteiro para renová-lo, ter que ir buscar pessoalmente um papel impresso em sulfite que nem se dão ao trabalho de plastificar ou oferecer uma capa de plástico para protegê-lo, o que é? Devem achar que no Japão não existe correio. Simplesmente um absurdo!

Hoje, se não fosse pelo tufão, talvez eu estivesse perdendo meu tempo em uma fila quilométrica ao redor do Consulado Geral do Brasil em Tokyo. E só o estaria fazendo por causa de terrorismo: ou vota ou não renova o passaporte. Ou renova, mas fica com uma anotação bem simpática no passaporte que diz para regularizar quando chegar ao Brasil. Se eu não tivesse viagem marcada para o Brasil, a segunda opção seria a minha escolha.

Mas, antes de cair na besteira de acordar cedo num domingo, ir até o consulado, pegar uma fila monstruosa, ser atendido por um poço de simpatia importado diretamente da terrinha, digitar 00 e apertar "confirmar", respirei fundo e li no site do próprio consulado a respeito da justificativa. Basta preencher um formulário e enviá-lo pelo correio. Pronto. Sem fila, sem drama, sem encheção de saco, sem arriscar a vida de ninguém. Pretendo fazer o mesmo no segundo turno. Porque simplesmente não vale a pena gastar ¥600 com passagem de trem para ir até o consulado, em vão.

Ainda tenho sorte (ou azar?) de folgar aos domingos e morar a 40 minutos do consulado de Tokyo, mas fico pensando nos coitados (ou sortudos?) que moram em Okinawa ou Hokkaido. Já que o voto é tão importante assim, o consulado banca a passagem aérea de ida e volta? E aqueles que nasceram aqui, não falam português, nunca foram ao Brasil e não sabem nem quem são os candidatos? O voto dessas pessoas não poderia, na verdade, prejudicar a eleição? Assim como meu voto prejudicaria, pois não moro mais no Brasil e não tenho o mínimo de conhecimento sobre a realidade atual do país. Hoje eu sou estrangeira no meu próprio país. Eu nem deveria opinar sobre nada!

Fazem tanta campanha de voto consciente, mas a verdade é que eu não dou a mínima para o que está acontecendo na política brasileira. Acredito que 90% de quem está fora do Brasil também não acompanha as notícias de lá, simplesmente porque não temos intenção alguma de voltar ao país. Então, como votar "consciente" nesses casos? Pior: se nenhum candidato me representa, por que eu deveria ser obrigada a exercer minha cidadania? Minha única dúvida na hora de apertar o botão verde é: voto no Monteiro Lobato ou na Elis Regina? Ou existe algum candidato que promete acabar com o voto obrigatório? Voto com o maior prazer! Enquanto isso, vou continuar justificando ou votando no 00, o candidato mais honesto de todos. Porque eu simplesmente cansei e não acredito nessa tal de democracia brasileira. O jeito é fugir e ser feliz morando do outro lado do mundo, mesmo que isso signifique ficar longe da família e dos amigos.

Li esses dias que o número de eleitores no exterior subiu 77% nos últimos anos. Falam isso de boca cheia, batendo no peito, como se os brasileiros estivessem super empolgados para votar. "Oba, oba! Vamos lá acordar cedo num domingo e ter nosso voto manipulado por uma maquininha!". A única verdade é que ninguém se importa, todo mundo só quer renovar o passaporte para continuar bem longe do Brasil. Democracia terrorista, a gente vê por aqui.

E ainda me perguntam por que não quero voltar para o Brasil e por que gosto tanto do Japão. Preciso dar mais motivos? É só ler meu blog de cabo a rabo e comparar com o Brasil. Sem mais.


E com essa postagem, aproveito para dizer que em breve o blog voltará de seu segundo hiatus do ano. Aguarde!